Nada a se admirar que as crônicas fluem melhor quando o combustível são as histórias que as viagens nos presenteiam. No entanto, sempre há viagens. Há prosas e contos. Mas nem sempre a crônica vem. C´est la vie (e a carnificina das redes sociais que nos roubam tempo e nos roubam cronicamente a escrita).
Pois que em uma meada cheia de coincidências, como pequenos nós consecutivos, começa a se formar uma história que não prescinde de muito esforço.
E ela se inicia em uma noite, em Barra Grande, sim láááá naquele pedacinho de terra no litoral do Piauí, já pauta de muitas outras historietas anteriores. Uma noite de visita à casa de uma amiga (minha prima), cuja identidade prefiro ocultar, para evitar estranhezas com as visitas futuras.
Depois de mais de ano sem visitá-la, chego olhando tudo, com curiosidade de quem quer saber o que mudou, o que continua a mesma B*&#$. Então sobre o mesmo móvel idoso da cozinha (idoso mas simpático) vejo uma novidade que me chama atenção imediatamente. Uma cafeteira gigante, linda e reluzente. Parecendo mesmo um equipamento de som ou um computador da maçãzinha.
Wow! Cafeteira nova??? Que enorme, que linda!
E minha prima, ops, amiga, logo responde, (como se quisesse se justificar o luxo necessário, sim, porque sou amante de café também e estou aqui pra defendê-la fielmente),"ah, me dei de presente, depois de tanto tempo, porque ela é programável e tudo que eu queria era acordar e ter o café pronto," blablablabla. Como tinha levado um vinho pra tomarmos, não me ofereci pra usar a cafeteira de imediato. E logo veio o fio daquela meada; "mas você não sabe o que aconteceu...". Não sabia. E preferia não ter sabido então hahaha, mas quem me deu opção de não saber?
Ela (a cafeteira), narrativa começando...., tem um depósito de água enorme, né?
Hum, disse eu. Só vejo vantagens.
E que não precisa ser abastecido todo dia.
Hum..., desconfiada, disse eu. Tudo de bom.
Então eu programei meu café, linda, e vim tomar quando já estava prontinho. E tal hora sinto um gosto muito estranho. Mas não dei muita bola e fui trabalhar. No dia seguinte, fui trocar o filtro e vejo na borra do café do dia anterior uns risquinhos brancos.
Meus olhos já começam a se abrir com o suspense.
E ela continua, impassível, achei aquilo estranho e decidi abrir o depósito de água para a-ve-ri-guar. Quando vejo lá, estatelada, uma perereca morta. Esturricada. Grudada na parede do depósito de água. Grudada até não poder mais.
E o berrôôôôô que a gata aqui deu, creeeeeeeeeeeedoooooooooooooooooooo!!!!!! Hahahaha. Você tomou café com a perereca juntoooooooooo. Viver é melhor que sonhar e rir é melhor que chorar. Eu ri. E só queria saber como foi a operação retirada da perereca. E ela não ficou muito feliz de contar. Mas ela teve que retirar pedaço por pedaço da danada, que de tão colada e solapada, não saiu inteira desta experiência. Aliás, saiu morrrrrrta. Mas viveu no corpo da minha amiga (sim, prima), em seu DNA, por toda sua vida.
Passou, passou. Agora tá tudo bem. Olhe sempre o reservatório e jamais tome outra perereca, a não ser que queira.
Eu ainda estava digerindo a perereca na minha cabeça e fui corrompida pelo ambiente de salão de cabeleireira, fazendo minhas unhas dias depois e conto para a manicure esta história, que ouvia tudo sem esboçar muita reação, cafeteira nova, programa a hora do café, tomou café com gosto estranho, troca o filtro, risquinhos branco = perereca morta!
Eis que a descrita manicure surge como uma mola descontrolada, bate as mãos na mesinha, e grita: EU TAMBÉM!!!! Eu também tomei café com perereca!!!! Eu também vi as manchinhas brancas no pó velho! Eu também senti um gosto esquisito. hahaha. E ria de lembrar e acho que de alívio que alguém também compartilhava da mesma experiência que ela.
Como se sabe, se não se sabe, saberá agora... vilarejos como Barra Grande, com bastante vegetação (por pouco tempo, infelizmente), muitos terrenos baldios etc tem centenas de pererequinhas voando pra todos os lados. Eu particularmente, nunca tive problemas com elas. São limpinhas, simpáticas, livres e leves. Masss sim, não gostaria de tomá-las ou comê-las em nenhum sabor, bebida ou prato.
Os dias se passaram, os cafés se passaram (eu não fui convidada nenhum dia para tomar o café da cafeteira, embora não tenha preconceito com a cafeteira pererecas encapsuladas). Eis que no dia da minha pequena despedida (pra que despedir de quem insiste em voltar?, fica o questionamento), decido contar a história uma última vez, encerrar o assunto, chega de perereca, vamos mudar o disco, coisas assim.
Nova audiência, mesma protagonista, ali tomando a cervejinha dela, incólume, sem ressalvas. Pedi licença pra contar a história de novo, mera formalidade, porque eu já iria contar mesmo.
Depois de acrescentar a manicure no arquivo P (de perereca), uma amiga ri e começa a contar algo assim como... "nossa cozinha lá em casa é aberta, você sabe. Um dia alguma de nós foi bater um açaí, e pronto. Tudo pode acontecer. Mas o que aconteceu foi que entrou uma perereca ali. E eu estava tomando minha tigela, quando outra que também tomava a sua tigela disse, tem algo aí do lado da sua boca (momento escatológico), era a patinha de uma perereca pendurada na lateral do lábio. Arrancada pela hélice do liquidificador".
Moral da história. Não há. Pererecas por todos os lados, caindo na comida e bebida geral? Há!
E pra terminar o assunto, estes dias recebo uma mensagem da tal amiga, já pela noite, dizendo: acabou de acontecer uma coisa e eu pensei que precisava te contar. Eu sempre penso que a pessoa está grávida. Pois foi isto que eu disse. E ela: Nãããão! Tinha OUTRA perereca dentro da cafeteira hahahaha.
Encerro esta crônica sem palavras, pois palavras não me seriam suficientes para este sentimento de abundância de pererecas caindo do céu. Algo como um presságio, um sinal do fim dos tempos. Ou simplesmente, pobre pererequinhas! Mereciam morte mais digna.
Quando em Barra Grande, cuida! As pererecas não perdoam, jamais.
Sim, Barra Grande é terra de pererecas, e eu também já tive minha dose de pererecas na corrente sanguínea, bebi delas por uma semana todinha, o tempo de trocar o galão de vinte litros do suporte Gelagua, e ver que tinha se tornado a banheira de ofurô, piscininha amor, de uma família inteira de pererecas felizes!
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