A primeira palavra que ouvi foi 'raleu ', para indicar ' valeu', mas ainda me levou um tempo pra perceber que todos trocam o v pelo r no começo das frases. Assim, a pergunta: "Vânia, tu vai ver a vaca do vizinho do Vitor?", ficaria, como se conclui: "Rânia, tu rai rer a raca do rizinho do Rítor?".
Ou mesmo no meio da frase como em: "Tu tarra lá na rua barrendo?", bom, neste caso o ´varrendo´ virou ´barrendo´e não me perguntem o porquê. Há muitas variações entre a língua falada no próprio nordeste brasileiro, e o que eu apresento nada mais é que um microcosmo do microcosmo. Conforme for me lembrando, acrescentarei mais mini-diálogos à crônica.
No mercadinho:
- Bom dia. Tem gelo?
- Tem. Mas derreteu.
Na fila do banco:
_ Tu num vai morrê marrr nuuuuncaa!
_ Oiiiii?
_ Tu num vai morrê marrr nunca. Ainda hoje falei de tu!
_ Foooiiii?
No posto de saúde: (Emergência em um sábado pela manhã.)
_ Bom dia. Preciso de uma vacina antirrábica. Fui mordida e arranhada por um gato de rua esta madrugada.
O auxiliar de enfermagem, única pessoa de plantão, em toda unidade:
_ O doutor deixou ordens expressas de não dar a vacina pra qualquer um. Tu observa o animal por 10 dias, se ele não adoecer e não morrer de raiva, tu não precisa da vacina.Viiiiiu?
_ Mas eu não conheço o animal!
_ Pois mas tu observa o animal. Se ele não adoecer e nem morrer de raiva, tu não precisa da vacina.
_ Mas o gato é de rua e eu posso nunca mais vê-lo!!! Ele é de rua, entendeu? Não tem casa e não tem dono e eu não sei onde ele está!
_ Mas somente pela observação do animal é que tu saberá se precisa da vacina ou não.
_ Bom, tá certo. E se ele morrer de raiva?
_ Tá, daí então tu vem aqui na segunda de manhã e peça uma vacina pro pessoal da imunização.
_ ???
No mercadinho:
_ Oi. Tem galão de água de 20 litros?
_ Tem não. Ainda não entregaram não.
_ Ah, que pena.
_ Mas quando entregarem eu te levo lá.
_ Mas não vai ter ninguém em casa.
_ Eu deixo bem ali, na entrada. Viu?
_ Será?
_ Ninguém vai bulí não...
_ Comigo?
_ Não, minha filha, com o galão de água!
Na vida:
_ Ô, mininu. Tu é casado, é?
_ Arrmamaria, nam.
_ Mas eu te vi com uma mulé e uma minina ontem, passeando.
_ Tu é abestada?
No bar:
_ Ei, este cara que tarra aí é teu amigo, é?
_ É não.
_ Pensei que fosse.
_ Arrmaria, esse daí não paga o sal...
No táxi: (em Teresina)
_ A senhora conhece a tal de Xuxa?
_ Sim. O que é que tem a Xuxa?
_ Ela num é de Deus, não...
_ Ah, não? Por que o senhor acha que ela não é de Deus?
_ Imagine a senhora que ela diz assim quando termina o programa dela: " Até amanhã, se o ´cara lá em cima´ deixar ".
_ Sei...
_ Pois uma mulé dessas num pode ser de Deus. Imagina dizer `o cara lá em cima´?
_ (Suspiro).
_ Num é?
_ Pois eu acho melhor ela dizer o ´cara lá em cima´ do que o ´cara lá em baixo´.
No culto (do qual eu participava involuntariamente).
O pastor pregando:
_ Porque tudo tem uma consequência... tudo... quando a gente fuma um baseado, por exemplo... (pausa), fumava!
Na vizinha da casa da minha prima, onde fico hospedada hoje em dia, chego pra buscar as chaves que me deixaram lá.
A vizinha para mim, toda esbaforida de calor que sempre sou:
- Abençoada.
Eu, nada religiosa, não quis ser grosseira, respondo:
- Amém.
Ela riu da minha cara.
Depois entendi que ela disse, na verdade:
- Tá bem suada.
Raca réia.
FIM
Um vídeo de um ilustre morador de Barra Grande.