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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Piauí - logo ali.






A primeira pergunta que meu irmão me fez quando soube que eu estava de mudança pro Piauí (aliás, eu e minha irmã, protagonista de numerosas das minhas crônicas) foi se estávamos fugindo da polícia ou algo parecido. Pra ele soou suspeito. Pra outras pessoas soou improvável. Pra outras ainda, uma aventura meio desmedida. Seguiu-se um questionário do qual eu sabia esparsas respostas. O Piauí tem litoral? Já é norte ou ainda é nordeste? O que vocês vão fazer tão longe? Mas você detesta calor...o que vai fazer em um lugar tão quente? Não sei. Me deixa! Só faltavam me perguntar que língua é falada aqui e que moeda usam. Eu mesma tentava levar as perguntas com bom humor. Talvez  porque eu nem tinha uma ideia muito clara, nem muito certa, nem muito madura do que viria fazer aqui. Sabia que era hora de sair da zona de conforto. E essa zona, no caso, deveria ser bem larga, pois pra sair dela eu tive que cruzar quase 3000 km desde casa até aqui. O que é mais divertido quando você vai fazer alguma mudança em sua vida, e começar um novo projeto, arriscar algo, enfim, sair da tal zona de conforto, é a projeção que as pessoas fazem das vontades (lê-se também frustrações,  medos, fantasias, inseguranças etc) delas mesmas na sua mudança. Toda sorte de comentários e toda gama de possibilidades - surreais e sensatas - vem à tona. Alguém me disse, se nada der certo, que pelo menos você volte casada. Ou rica, complementou expondo a minha miséria humana segundo sua visão. Ô, Dio Santo, o que é dar certo segundo as pessoas? Quem sai da zona de conforto pra dar certo? Você sai pra ser feliz! Isso já não é dar certo? Não, creio que estou sendo demasiado exigente com a vida! Ha. Certo ou errado, dentro da zona ou fora da zona, casada ou solteira, calor ou mais calor, eu vim. Percalços seguraram minha irmã e ela não pode vir comigo. Senão, não seria minha protagonista favorita de crônicas mal pagas desde a Índia, madam. Decolei sozinha. Aterrizei na madrugada e segui pra  uma rodoviária que me lembrou, como não poderia deixar de ser, algum lugar da Índia, mas em Teresina. Aguardei ali por algumas horas na ausência total de uma brisa que aliviasse o calor noturno. Tomei um ônibus em direção ao litoral, sim, há 90 km de litoral, aproximadamente. Cheguei em Parnaíba, sol alto, forte, e eu despreparada, de jeans, tênis. Uma astronauta na selva. Meus primos foram me buscar na rodoviária com um carro emprestado. Luxo só. E como toda viagem pra Parnaíba tem que ter, um amigo de carona, o carro cheio de compras de todos possíveis desejos e necessidades não supridas em Barra Grande. Destino final: Barra Grande. Litoral do Piauí. Já parte de um roteiro internacional de praticantes de kitesurfing. E outro roteiro criado pelos 3 estados em conjunto: Ceará, Piauí e Maranhão, chamado de Rota das Emoções, visando divulgar os lugares turísticos com potencial pra mais, na região. 
Em Barra Grande, o vento é a medida de todas as coisas. É a medida da alta temporada, onde ele sopra incessante e atrai kitesurfistas do mundo todo. Portanto, é a medida da economia local, da lotação das pousadas, restaurantes, mercadinhos, barracas de praia, charretes de burros, aluguel de equipamento, horas-aula dos instrutores... O vento é inversamente proporcional à percepção do calor. Sem o primeiro, não se tolera o segundo. É a medida do bem estar da galera, pouco munida de ares condicionados em suas casas alugadas dos nativos. O vento também é a medida da sujeira que invade estas mesmas casas, sem forro, sem proteção. Ele sopra sem piedade nas noites escuras e quietas do vilarejo, cobrindo  de areia escura cada milímetro que ele pode alcançar. Aqui sua pele acorda com uma camada áspera de areia, e também todo lençol, roupas, sapatos, objetos, sabonete... Quando o vento sai, pela manhã na alta temporada, ou pela tarde ainda na média, os kites entram na água, colorindo o céu invariavelmente azul. É um espetáculo alegre, do qual, por hora, sou apenas observadora. 
A cidade, melhor dizendo, o vilarejo, de uns 2000 habitantes, respira o kitesurfe. Recanto de pescadores, em sua essência e história, veio transformando-se recentemente conforme tem ganhado fama entre os praticantes do esporte. Ainda há uma forte atividade pesqueira aqui, parcialmente artesanal e individual, ainda vê-se barcos coloridos de madeira atracados à beira-mar. No entanto, já há alguma tensão pela disputa do espaço físico, onde haveria uma possível delimitação de territórios. Ainda o vento. Ele também é a medida, por vezes, da qualidade da internet. Qualidade da internet, aqui, parece um paradoxo quando as duas palavras estão escritas lado a lado. Ela vem via rádio de Parnaíba, cerca de 70 km daqui. E quando chega, toda esbaforida e descabelada, não costuma estar de bom humor. Se fosse uma pessoa, seria bipolar. Instável, irritadiça, uma louca (estes três adjetivos não vem da descrição de bipolar, mas de internet Barra Grande, muito prazer). Um pombo correio mal treinado é mais confiável que ela. Pena que os pombos-correios não estão em alta. Mas o vento, sim, ele é o personagem principal. Nem a beleza dos pores-do-sol hipnotizantes daqui protagonizam tantas histórias quanto o vento. Em noites calmas como a de hoje, em que uma leve e tímida brisa passa,  fica a sensação de que há algo mais leve que o vento pairando no ar. Misterioso mas insistente. Algo que flutua quase imperceptivelmente, mais escuro que a noite, e que o vento não ousa levar. 
Outros personagens de Barra Grande, neste estado de espírito que é o Piauí, virão a se apresentar nas próximas crônicas. 

Cenas cotidianas de ruas e estradas piauienses. 


Paisagem ao longo da pequena estrada entre Barra Grande e Cajueiro da Praia.