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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Viajantes: Personagens da Vida Real Reloaded


Continuando com as pessoas fantásticas que encontrei pelos caminhos errantes ao longo de estradas e países. Às vezes, em viagens longas, faz bem abandonar o livro que ajuda a matar o tédio entre longas distâncias, para ler as pessoas (no caso, hoje em dia, abandonar o smartphone que não nos deixa levantar os olhos). Pessoas são infinitamente mais originais que qualquer exercício de imaginação. Universos ambulantes que mal podemos suspeitar. Aqui apresento-lhes minha breve experiência com dois deles. 

Felicítas. Advogada argentina de 20 e tantos anos. Em Assilah, cidade litorânea do Marrocos. 

Esta mulher com jeito e cara de menina, estava hospedada em um albergue cujo dono, Tarek, artista marroquino falante de espanhol, ficara amigo da minha irmã, Camila. Ela havia comentado que na noite anterior, numa festinha no albergue que eu não quis ir, havia chegado esta menina, Felicítas, toda perdida e engraçada. Sem saber direito o que estava fazendo ali. O nome dela, segundo a própria, tem que ser pronunciado como se conjuga o verbo felicitar. Eu felicito, tu FELICÍTAS. Assim, está certo. Muito bem. Na noite seguinte. saímos pra jantar e lá estavam algumas pessoas hospedadas no albergue. Tarek, o dono, que para mim parecia muito o ex-presidente argetino Carlos Menem. Ele, em si, um personagem curioso. Tinha grossas costeletas e o rosto bem definido e quadrado, queimado de sol. Parenteses sobre como o conhecemos. Estávamos andando pela parte antiga da cidade de Assilah, belo dia de sol quando voltei alguns metros para refazer uma foto. Quando olho adiante, Tarek, que surgiu praticamente da 5a dimensão, pois não o vimos, já havia fisgado minha irmã pra conversar. Pensei, puxa, em 2 minutos que me desligo já cai um perdido nos encantos da sereia. Mas o estranho é que ele parecia muito ser gay. Vestia um shortinho listrado de branco e preto de malha!!! pasmei. De malha? Curto? Meio enfiado na bunda. Ah, me poupe. hahaha e tinha o cabelo preso num rabo de cavalo e as costeletas emoldurando o rosto. Pra mim era uma versão gay do Menem. Mas ele não era gay. Apenas parecido com o ex-presidente. Voltando ao jantar. A língua falada ali era espanhol. Eu era a única que não era fluente, o que me fazia parecer meio tonta, tentando articular lentamente o que queria dizer enquanto todos pareciam metralhadoras falando com vários sotaques distintos. Pois foi assim que comecei a falar com FE-LI-CÍ-TAS. Ela começou me dizendo que tinha perdido o avião de volta pra Espanha, de propósito. E que o namorado dela, brasileiro, estava um bocado bravo, pois eles haviam combinado de viajar juntos, passar uns poucos meses na Espanha. Ela estava em um ano sabático do escritório que ela trabalhava em Buenos Aires. Já ele era dono de um albergue em Salvador, Bahia. Durante a viagem pela Espanha ela decidiu que iria dar um pulo no Marrocos. E foi, decidida e empoderada. Ele ficou esperando. Mas ficou mesmo puto da vida quando ela perdeu o avião. De propósito. E estava lá, com aquela cara de perdida, mas de feliz. Meio arrependida, meio marota. E foi quando eu me lembrei que ela era argentina e que poderia se lembrar do Menem (que beijou a Xuxa na época, se não me engano), garanhão e com as costeletas como marca registrada. Eu lhe perguntei, você deve se lembrar do Menem, não? Seu ex-presidente. Ela fez uma cara de susto e colocou uma mão na teta, esquerda, a propósito, mas isto eu não reparei na hora. Eu continuei, inadvertidamente. Pois então, lembra ou não? E ela, meio a contragosto, disse que sim. Eu continuei, olha o Tarek. Ele não lembra o Menem? Cara feia de novo e mão na teta esquerda de novo. E eu nem percebendo nada. Insisti e ela dispara: olha, não é legal ficar falando do Menem. Traz má sorte. Ninguém na Argentina gosta de falar o nome dele, e se você falar, melhor colocar a mão no seio esquerdo pra evitar a má sorte. E eu, incrédula, comecei a gargalhar. Não podia acreditar. Por quê? Coitado do Menem, eu disse. Cara feia e mão na teta esquerda. Neste momento eu aderi. Porque queria continuar explorando o assunto e não podia crer que uma advogada, inteligente, viajada e esclarecida era tão supersticiosa. Então eu chamei o outro argentino da mesa e contei a história pra ver se ele confirmava. Já nesta hora eu colocava a mão na teta esquerda junto com ela (calma, cada uma colocava a própria mão esquerda na própria teta esquerda) porque queria evitar mau agouro. hahahaha. Era muito engraçado. Mas o outro argentino havia deixado o país dele muitos anos antes e não sabia de nada. Terminamos a noite comprando algumas poucas garrafinhas de cerveja local, vendidas nervosamente no mercado negro, contrariando o bom senso que o Ramadan sugere. Pagamos entre 4 e 5 euros por cada mini-cerveja, uma pequena fortuna, mas ficamos muito felizes pois desde o começo da viagem, semanas antes, queríamos beber algo alcoólico, sem sucesso. Menem, mão na teta esquerda, não deu má sorte, ao fim da história. 




Zafer, turco, 42 anos. Em Ko Chang, ilha na Tailândia. 

Não me lembro onde exatamente conhecemos Zafer e seu primo. Estava passando uma semana com Núria, minha amiga catalã, nesta ilha da Tailândia. Descobrimos que pra conhecer a ilha precisaríamos alugar motos. Mas nenhuma das duas sabia dirigir motos. Foi quando conhecemos Zafer, e depois de muita conversa, propusemos alugar duas motos. Ele me levaria de garupa e o primo dele levaria a Núria de garupa. Assim todos nos divertiríamos e teríamos transporte compartilhado. Zafer era alto, bem alto, e recém-magro. Segundo ele, havia perdido 20 quilos viajando pelo Paquistão e o Nepal, entre eternas desventuras em série que ele atraía como moto contínuo. Se falar a palavra Menem dá mesmo azar, eu diria que Zafer era o próprio Menem, pobrezinho. Solteiro, não deixou claro se convicto ou não. Havia abandonado seu bar em Istambul, ou doado, dependendo da interpretação. Iria receber 20% do lucro pelos 5 meses seguintes. Quando perguntei se o havia vendido a resposta foi categórica: não! eu o dei pros meus amigos. Mas por quê, Zafer? Deu? Ah, eu não queria trabalho... então o dei. Mas quando eu voltar a Istambul poderei comer e dormir lá vitaliciamente. Hummmm. Investindo na velhice, hein, Zafer? Plano de aposentadoria magnífico. Nos contou que tinha um filho de 2 aninhos. Com a irmã.... Mas Zafer, isto é incesto, meu filho! Não!! Disse ele. Mas é meu filho, ponto final. Nem ousei perguntar mais nada, pois na minha curiosidade de conhecer melhor as histórias das pessoas eu acabo, por vezes, me excedendo. E depois de viajar pela Ásia por tempo indeterminado, queria se estabilizar e ganhar dinheiro para ajudar a irmã a cuidar do filho. Filho-sobrinho, imaginei eu. Ah, e o mais importante, segundo ele, é que ele tinha decidido parar de ser preso. Sim, porque segundo ele, havia sido preso inúmeras vezes na Turquia, na Alemanha e na Áustria (onde morou e se graduou em economia para nunca exercer). Causas das prisões? Inúmeras. No entanto, na maioria das vezes, por questões políticas. Ainda que anárquicas. O cara, anarquista de carteirinha, embora carteirinha soe muito institucional para um anarquista, ajudou muitos turcos a entrarem pela fronteira da Áustria para a Alemanha, pelas montanhas, na calada da noite. Criou jornais anarquistas, com a ajuda de voluntários, e na Turquia arranjou brigas sem fim com a máfia russa, que opera lá. Foi esfaqueado em diversas partes do corpo (as cicatrizes não eram muito bonitas) e quebrou outro tanto de ossos. Desde criança o rapaz tinha uma estranha "atração" pelo perigo. E pela encrenca. Órfão de pai (e posteriormente de mãe) começou a trabalhar desde os 9 anos de idade e embora tenha vivido em outros países, sentia-se turco sem dúvidas e nem senões. Suas histórias eram corroboradas pelo primo, Order, advogado trabalhista em Bremen, Alemanha. Ele sorria amarelo cada vez que eu dizia: Não! Não acredito! e ria indignada de Zafer e de seus absurdos. Order sorria amarelo, e afirmava com a cabeça querendo dizer, com os olhos, é, é verdade mesmo, o que se pode fazer? No último dia em que estivemos com eles, em uma praia pequena e desértica, Zafer confirmou sua relação magnética com acidentes. Cortou o pé profundamente nos corais enquanto gesticulava e encenava uma de suas histórias fabulosas. Última vez que o vi, estava dando pontos no hospital, sorrindo e acenando pra nós. Está tudo bem, ele disse, com olhos bondosos e sorriso de menino, é assim mesmo, fazendo gestos com as mão. Boa viagem, e evitem encrencas, meninas! Nós sim, Zafer, evitamos!
Alguns poucos meses depois, estava em Istambul com minha irmã e meu ex-cunhado turco. Andávamos por uma área de bares e discotecas. Vi o nome do bar que Zafer havia me dito que teria sido dele. Encontrei mesmo ao acaso, lembrava que era a tradução de Anjo em turco, acho que algo como Melek. Mas também pelo desenho de um anjo. Coincidência total. Entramos, bebemos e dançamos a noite toda. O ex-sócio dele estava lá, ficou feliz de saber que eu havia conhecido Zafer e confirmou todas as histórias malucas que ele havia me contado. Rimos muito. E como diz uma amiga, o mundo é uma quitinete.




quarta-feira, 4 de janeiro de 2017


A CARA DA FELICIDADE ... QUANDO VOCÊ VIAJA LIVRE, SENTINDO-SE CONECTADA COM A NATUREZA E SEU CORAÇÃO. NADA DA ERRADO, TUDO ENTRA EM SINTONIA PERFEITA E PERFECT TIMING. ISTO TUDO É QUANDO OUVIMOS O CHAMADO DA NOSSA ALMA. MAS RARAMENTE OUVIMOS...


MEMENTOS. VIAGENS POR AÍ.