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sexta-feira, 30 de maio de 2014

De propostas (quase) indecentes e outras bobagens.

    Há mais de mês sem postar nada... sinto-me mais triste por não ter tido muito tempo pra fazer o que gosto: escrever, do que por publicar, propriamente dito. Mas mesmo depois de um dia (uma semana, um mês... um ano?) atribulado, sobra-me um pouco de energia e disposição para rever alguns emails antigos e reescrever alguns trechos, reaproveitando os rascunhos de relatos wanna-be-blog. Para minha sorte, muita coisa se salva. E hoje limito-me a editar e alterar algumas coisas apenas, para alimentar meu prazer de dividir com vocês estas façanhas remotas, tão caras a mim. Amo-as todas, como  filhas idas. Não sei se hoje teria a mesma coragem de viver tão errante, tão certeira de mim. E nem a coragem de expô-las a tantas pessoas que me leem anonimamente. Mas certamente tenho o mesmo prazer em compartilhá-las.

    Lê-se em um ou muitos emails:

 "Namastê, Pessoas Queridas e Jamais Esquecidas,

   Vocês me pediram e eu não escrevi. Agora ninguém me pediu, mas  escreverei assim mesmo, porque sinto que, de outra forma, serei brevemente relegada a uma andarilha brasileira perdida na Ásia.
  Desde o último email na China  muitas histórias aconteceram. Passei por Laos - que, ao contrário do que muitos pensam, não é um estado da China, (mas sim um lindo país), Camboja, Tailândia e agora.... Índia, madam. Talvez consiga resgatar na memória algumas passagens destes países incríveis e, posteriormente, encherei mais uma vez a caixa de email de vocês com meus famigerados 'relatos infames', de quem não tem trabalho, nem filhos, nem casa pra limpar, em outras palavras, uma desocupada.

   Há 6 anos exatamente estive na Índia. Desta vez, ao chegar, notei algumas mudanças. A expansão do aeroporto, que agora conta com inúmeras lojas duty-free e não tem mais as lindas flores de plástico nas mesas de imigração, nem mesmo os mesmo dizeres nos posteres de plástico, no melhor estilo auto-ajuda que os indianos tanto gostam. O mau gosto muda de figura, e me deixa nostálgica da pureza estética do que habitou, um dia, estas paredes pouco amadas.

   Ainda na Tailândia fui precavida, tão rara postura em mim, e reservei um hotel em Déli, através de um site dito confiável, para evitar ficar procurando acomodação quando chegasse, tarde da noite. A idade nos estraga mesmo! Olhe só para como foi minha primeira experiência neste país, anos atrás.... mal sabia o nome completo da minha irmã, quem diria ter uma acomodação reservada previamente! Bom, fato é que cheguei, negociei duramente com um táxi não-autorizado (a segunda vez na Índia é moleza!), assegurei-me de que o motorista realmente sabia o endereço do hotel... sure, madam! Mas sim, na Índia, é não, quase sempre. Paramos no meio do caminho para pedir informação. Paradinha estratégica em uma agência de viagens aberta 24 horas.... hum? E já queriam me enfiar mil pacotes turísticos na mesma hora. Ha! E o meu hotel? Lotado. Como assim? Fiz reserva! Azar o seu, madam. Ai ai ai... começou. Mas eu paguei as taxas todas no cartão de crédito! Soooooooooo sorrrrrry, madam. Eu amo a Índia. AMO. Vamos praticar paciência. Acabei indo pro hotel mais caro da viagem até então. Era a única mulher hospedada lá, e os indianos me olhavam como se eu fosse uma mulher branca vinda de outro continente! Por este preço, pensei, dormirei em lençóis limpinhos, fresquinhos, crocantes. Nada disto. Cabelos mil e uma nuvem negra esfumaçada no travesseiro. Sim, dos dois lados. Nada do que meu saco de dormir de seda verde-varejeira que eu comprei em Laos não pudesse me proteger. Ele me salvou de todos os lençóis gosmentos da Ásia. E, para minha surpresa e deleite... banho quente! O primeiro em meses! Um luxo só. A sujeira sai muito melhor em água quente. Nem se compara... imaginem só, eu devia estar uns 3 milímetros mais gorda só de crostas de sujeira. Saiu tudo!
   Fresca e refeita, acordo bem cedo e penso: vou fazer turismo. Turismo mesmo, de bancar a turista. Havia séculos que eu não saía com um mapa na mão e um itinerário na cabeça. A Tailândia foi uma espécie de pausa... descanso. Não aguentava mais ver templos budistas, não podia mais com ingressos, museus, nem nada. Tailândia também foi... bom, um capítulo a parte, que se chamará: "Sobre quando eu NÃO me tornei monja”, ou coisa assim. 
   Meu dia de turista em Déli não decepcionou. Há coisas belíssimas pra se ver. Tais como o Red Fort, a maior mesquita da Ásia, o super interessante National Museum, templos hindus, a cidade velha e muito, muito mais. Basta ter, pra cobrir este imenso território, um bom motorista a tira-colo. Sim, dei-me este luxo! Sentia-me como uma senhora de meia idade, americana, com seu motorista anjo da guarda e talvez, amante. Certamente não no meu caso.É evidente que, a esta altura do dia, já tinha respondido umas vinte vezes se eu era casada ou não. E o mais difícil: o porquê! Com tantas perguntas, não preciso mais de terapia, pois para cada resposta eu pensava profundamente e respondia algo diferente. Nada além da verdade, obviamente.
  Eu também já havia arranjado alguns pretendentes.Todos através do meu motorista, Jarbas das Índias, que já devia ter espalhado pros amigos que estava guiando uma mulher solteira à procura, na cabecinha doente dele.   De meia em meia hora alguém ligava perguntando quando nosso tour acabaria. 
    No dia seguinte, já pobre e à pé, decido caminhar pelos corredores infinitos de Connaught Place, paraíso dos turistas com suas lojas com preços e marcas para todos os gostos. Em questão de meia hora, um novo seguidor. Incrível. Exalaria eu ferormônios ocidentais exóticos? Teria eu cara de quem quer doar seus tesouros mais íntimos? Estava eu registrada em alguma agência matrimonial sem saber? Talvez  em alguma outra chamada Coitus proibidus? Desta vez, meu stalker foi muito cortês, educado e até sutil. Manzoon era seu nome. Começou argutamente comentando que nota o assédio que os turistas sofrem com os indianos... hum.... providencial. Disse que devia ser desgastante e coisa e tal. Sendo ele turista em Deli também, pois sua cidade ficava bem distante de Deli, pensei se ele sofreria o mesmo assédio, vingativa que sou. Fomos a um café. Hoje há cafeterias deliciosas aqui. Fomos a várias livrarias e hum, até aceitei jantar com ele depois de alguma - sempre educada - insistência. O inevitável teve um certo tom histérico. Ao final do jantar Manzoon estava atacado, alterado, beirando mesmo a histeria, querendo que eu tomasse o avião no dia seguinte com ele para Manali, a cidade onde ele mora! Pode? Pode sim. Perdi naquele momento toda a fé nos indianos, se é que cheguei a ter alguma. É claro que eu não vou voar com você para sua cidade amanhã!! Está louco? Ele se sentiu ultrajado e saiu do restaurante ventando, quase sem se despedir de mim. Mas estou aprendendo... aos pouquinhos. É só dizer Shanti, Shanti quando algo dá errado e a outra pessoa se estressa, na tentativa de acalmá-la. Cada vez que alguém me diz isto, tem o efeito rebote, e eu me sinto muito mais irritada do que antes! 

    Agora estou em Rishkesh, cidade à beira do sagradéééérrimo Rio Ganges, que também é uma deusa, que veio para salvar o mundo e purificar os homens. O rio aqui é limpo e cristalino, pois está aos pés dos Himalaias, distante de sua nascente apenas 200 km. Depois, pelo que sei, e vocês também, ele torna-se um rio sujíssimo, fedidíssimo, poluidíssimo, mas continua sendo sagradérrimo e continua purificando os pecados. Entre pecadora e imunda, prefiro o primeiro. 
   Esta cidade charmosa, com belas vistas das montanhas e do rio Ganga - como aqui é chamado - ficou famosa com os Beatles, sim, aqueles lá, nos anos bolinha, porque eles vieram visitar o então guru deles, Maharishi, que levou a meditação transcendental para o ocidente (e nunca mais trouxe de volta). Além disto, é o berço do Yoga, e tem um sem número de ashrams que são escolas e templos ao mesmo tempo, onde as pessoas praticam yoga, meditação e sei lá mais o que. Isto faz com que o local, no caso, acho que o país todo, esteja cheio de turistas-viajantes-com-cara-de-bolo-de-fubá-mal-cozido. O que eu quero dizer com isto? Bem...vejamos. A verdade é que isto aqui atrai um tanto de gente esquisita. Tá certo, eu estou aqui e devo ser lá bem esquisita, mas acreditem se quiser, há gente mais esquisita do que eu! Andando pelas ruas, ruelas, escadarias e afins, além de vacas você encontra aquelas pessoas com cara de santo, olhar perdido no horizonte, como quem diz "ahhhhhhh,eu estou iluminaaaaaaadooooo...".Ai, dai-me paciência. E a maioria se veste com roupas indianas dos pés à cabeça. Eles usam mais roupas indianas do que os próprios indianos! Não é o máximo? E claaaaaaaaaro, terceiro olho colado na testa, anéis em todos os dedos dos pés, das mãos, do nariz, das orelhas, ahhh, que lindos!... Quanto a cara-de-bolo-de-fubá-mal-cozido, junte a cara de 'sou iluminado', com 'sou bom moço ou boa moça'e roupas de tons beeeem pastéis, azulzinho, amarelinho, cruzinho, branquinho... é isto que eles usam. Não dá vontade de bater? 
   Bom, então o que eu, um ser tão não-iluminado, não-cru, e bem cozida estou fazendo aqui, né? Tipo assim, se eu sou tão boa, tão fudida, o que estou fazendo neste antro de seres pseudo-yoguis? Aí é que está! Veja bem, não olho pro próprio umbigo! Estou fazendo um curso de massagem ayurvedica. Aí, pronto, falei. Confessei. Pra piorar, olha o nome: massagem ayurvedica. Não é o máximo do tal bolo de fubá? Mas eu tenho certeza de que todos gostariam de experimentar a massagem. Hoje foi minha primeira aula, começamos pelos pés. Imaginem vocês, a sujeira de um pé bem indiano com óleo misturado. Mas nesta aula de hoje só estávamos eu, o professor e uma amiga canadense que mora aqui. Ou seja, que também tem pés indianos. Então éramos 4 pés sujos e 2 limpos. 20 artelhos sujos e 10 limpos. E assim sucessivamente. Mas quem está na Índia é pra se sujar. Amanhã subiremos para as pernas. Depois de amanhã, ... meu professor disse para irmos mais cedo, por que será?"